
Drama em Gente
1 contribuíram 1 estão participando + Informações
Pode ser mesmo que eu sinta duas coisas inconjugáveis ao mesmo tempo. Não importa.
Mas tudo é absurdo, e o sonho ainda é o que o é menos.
Há momentos em que a vacuidade de se sentir viver atinge a espessura de uma coisa positiva. Nos grandes homens de acção, que são os santos, pois que agem com a emoção inteira e não só com parte dela, este sentimento de a vida nada ser conduz ao infinito.
O meu coração esvazia-se sem querer, como um balde roto. Pensar? Sentir? Como tudo cansa se é uma coisa definida!
Escrever, sim, é perder-me, mas todos se perdem, porque tudo é perda. Porém eu perco-me sem alegria, não como o rio na foz para que nasceu incógnito, mas como o lago feito na praia pela maré alta, e cuja água sumida nunca mais regressa ao mar.
Há venenos necessários, e há-os subtilíssimos, compostos de ingredientes da alma, ervas colhidas nos recantos das ruínas dos sonhos, papoilas negras achadas ao pé das sepulturas dos propósitos, folhas longas de árvores obscenas que agitam os ramos nas margens ouvidas dos rios infernais da alma.
Escrever é como a droga que repugno e tomo, o vício que desprezo e em que vivo.
Sou um plebeu da aspiração, porque tento realizar; não ouso o silêncio como quem receia um quarto escuro. Sou como os que prezam a medalha mais que o esforço, e gozam a glória na peliça.
Por que escrevo, se não escrevo melhor? Mas que seria de mim se não escrevesse o que consigo escrever, por inferior a mim mesmo que nisso seja?
É humano querer o que nos é preciso, e é humano desejar o que não nos é preciso, mas para nós é desejável. O que é doença é desejar com igual intensidade o que é preciso e o que é desejável, e sofrer por não ser perfeito como se se sofresse por não ter pão. O mal romântico é este: é querer a lua como se houvesse maneira de a obter.
Somos qualquer coisa que se passa no intervalo de um espectáculo; por vezes, por certas portas, entrevemos o que talvez não seja senão cenário.
Toda a vida da alma humana é um movimento na penumbra. Vivemos, num lusco-fusco da consciência, nunca certos com o que somos ou com o que nos supomos ser. Nos melhores de nós vive a vaidade de qualquer coisa, e há um erro cujo ângulo não sabemos.